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Medicamentos de alto custo – decisão do supremo tribunal federal

O fenômeno conhecido como judicialização da saúde não é um problema apenas para o setor de saúde suplementar, também tem desdobramentos significativos na área de saúde pública. Estudar o fenômeno e seus desdobramentos é papel de todos os juristas comprometidos com a efetividade dos direitos sociais, com o equilíbrio das contas públicas e dos contratos privados e, com a garantia de correta aplicação dos ditames da Constituição Federal brasileira.

O Supremo Tribunal Federal decidiu em plenário no último dia 11 de março, que os Estados da federação não estão obrigados a fornecer medicamentos de alto custo solicitados em processo judicial, quando esses medicamentos não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos de Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde – SUS.

A decisão adotada no julgamento do Recurso Extraordinário 566.471 atinge mais de 42 mi processos judiciais em trâmite que versam sobre o mesmo tema.

O relator foi o Ministro Marco Aurélio Mello que em seu voto destacou aspectos essenciais da interpretação da Constituição Federal:

A saúde, nela englobado o acesso a medicamentos, constitui bem vinculado à dignidade do home. É verdade que o desenvolvimento da dimensão objetiva do direito à saúde deve ficar a cargo de políticas públicas. Todavia, os traços de fundamentalidade, inalienabilidade, essencialidade e plena judicialização desses direitos estarão sempre presentes na dimensão do mínimo existencial. O direito à saúde como direito ao mínimo existencial é direito fundamental. (p. 05, RE 566.471/RN)

Em seguida, destacou o Ministro Marco Aurélio Mello que o julgamento em questão tinha como principal utilidade definir os critérios de configuração do dever estatal de tutela do mínimo existencial – entendido como condição de fundamentalidade do direito individual de receber os medicamentos do Estado. Compete ao Supremo densificar normativamente esses requisitos. (pág. 11)

Ao destacar de forma objetiva para qual finalidade o julgamento se destinava, o Ministro relator atendeu eficazmente ao disposto no artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, alterada pela Lei 13.655, de 2018, que determina no artigo 20 e parágrafo único que:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

E com clareza destaca o Ministro Marco Aurélio Mello

(…) a delimitação há de ocorrer em torno de dois elementos: a imprescindibilidade do medicamento para a concretização do direito à saúde – elemento objetivo do mínimo existencial – e a incapacidade financeira de aquisição – elemento subjetivo do dever estatal de tutela do mínimo existencial. A identificação conjunta (…) desses dois elementos – um substancial quanto ao mínimo existencial, o outro relativo ao dever estatal de tutela desse mínimo -, com as nuances próprias a serem desenvolvidas a seguir, implicará a configuração do mínimo existencial passível de tutela mediante intervenção judicial, independentemente do alto custo dos remédios ou de esses não constarem em lisas elaboradas no âmbito da Política Nacional de Medicamentos ou do Programa de Medicamentos de Dispensação de Caráter Excepcional.
A imprescindibilidade estará configurada quando provado, em processo e por meio de laudo, exame ou indicação médica lícita, que o estado de saúde do paciente reclama o uso de medicamento de alto custo, ausente dos programas de dispensação do governo, para procedimento terapêutico apontado como necessário ao aumento da sobrevida ou à melhoria da qualidade de vida, condições de existência digna do enfermo. (pág. 11)

Importante destacar que a imprescindibilidade do medicamento precisa ser provada, poderá sê-lo por indicação médica mas, em juízo, também por laudo e realização de exame, o que confere ainda maior segurança. Além disso, a indicação médica, o laudo ou o exame deverão comprovar que o medicamento terá o condão de aumentar a sobrevida ou, melhorar a qualidade de vida. É possível concluir que medicamento que aumente a sobrevida em qualidade ou, colocando em risco a qualidade de que desfruta o paciente naquele momento, não cumprirá os objetivos efetivos e não poderá ser deferido.

As evidências científicas serão o único caminho capaz de indicar com precisão se o medicamento de alto custo aumenta a sobrevida ou melhora a qualidade de vida, e essas evidências somente poderão ser obtidas com estudos clínicos publicados em periódicos científicos de comprovada reputação.

Mas o ponto que provoca maior reflexão no Relatório do Ministro Marco Aurélio Mello, é quando ele afirma que (…) outro elemento, este de caráter subjetivo, é a incapacidade financeira. O dever de tutela estatal do mínimo existencial estará definitivamente configurado se provada a ausência de capacidade financeira para aquisição de medicamento reconhecidamente adequado e necessário ao tratamento da saúde do indivíduo. Essa óptica encontra-se em conformidade com as decisões do Supremo. Não há dificuldade quanto a este ponto. (Pág. 13)

Mas, o Ministro Relator destaca o ponto sobre o qual deve recair a dúvida: A controvérsia está em definir “incapacidade financeira de quem?”. (pág. 13)

E determina no voto a compreensão a ser dada:
(…) há que se entender o dever estatal de fornecimento de medicamentos de alto custo, fora dos programas estatais de distribuição universal – mantendo-se, em atitude minimalista, restrito ao tema do recurso -, como subsidiário ao dever legal de alimentos da família. A solidariedade social, manifestada pelo custeio tributário dos serviços públicos, deve ser observada de forma sucessiva, neste caso, ao dever de solidariedade familiar, fundado na Constituição Federal e disciplinado no Código Civil.
A fórmula encontra amplo fundamento na moderna concepção “democrática” de família encampada pela Carata de 1988, que tem, na solidariedade entre os membros, um dos traços essenciais. (página 14, RE 566471/RN)

E ressalta o Ministro relator:

(…) não “há direitos sem responsabilidade”, a igualdade e a autonomia dos integrantes pressupõem a reciprocidade, a solidariedade entre si. Essa concepção fica muito clara no artigo 29 da Carta, segundo o qual “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” O dispositivo abrange os deveres de cuidado com a saúde como manifestação cogente de solidariedade familiar. A dignidade humana, considerando o direito à saúde, é comprometimento não só do Estado, mas também da família. (pág. 15)

E conclui o voto do relator Ministro Marco Aurélio Mello que o dever de assistência mútua existe entre todos os membros da família, pelo simples fato de pertencimento a este núcleo. (p. 15). Em conclusão, a solidariedade familiar possui base constitucional. E afirma: (…) por ser específico, o dever familiar precede o estatal, que é custeado pro toda a sociedade por meio de tributos. O Estado atua subsidiariamente – exclusiva ou complementarmente, a depender do nível de capacidade financeira da família solidária.

Há assim, dever da família de subsidiar os recursos necessários para aqueles que tenham necessidade de medicamentos de alto custo, na mesmas condições da obrigação de alimentos. O cônjuge ou companheiro; ascendente natural, civil ou socioafetivo; descendente, natural, civil ou socioafetivo; e, irmãos, germanos ou unilaterais.

E determina o voto do Relator que para obtenção da liminar, tutela antecipada ou específica, no campo processual, será necessário que o requerente instrua a inicial com declaração de sua incapacidade financeira e da mesma incapacidade para seus familiares; e, no âmbito da contestação, cumprirá ao Estado demonstrar haver um, ou mais integrantes da família, com capacidade financeira para custear os valores necessários. Em nenhuma hipótese, o custeio poderá comprometer o sustento do mínimo existencial individual ou familiar para a aquisição do medicamento em questão.

O Ministro Alexandre Moraes, por sua vez, afirmou em seu voto que:

“Não há mágica orçamentária e não há nenhum país do mundo que garanta acesso a todos os medicamentos e tratamentos de forma generalizada”.

Os pontos destacados merecem atenta reflexão dos profissionais de Direito que atuam na saúde pública e suplementar, seja pela interpretação inovadora para o princípio da solidariedade, seja para o reconhecimento de que os valores destinados a tratamentos de saúde são finitos e não podem ser utilizados sem embasamento científico que garanta que os melhores resultados serão concretizados para a saúde de quem pleiteia o medicamento de alto custo.

Vários aspectos ainda terão que ser objeto de reflexão e estudo mas, os argumentos elencados de forma objetiva pelo Supremo Tribunal Federal apontam que a sociedade brasileira está madura para definir a destinação do dinheiro público e, na mesma medida, para construir soluções que sejam efetivas para a qualidade de vida daqueles que necessitam de medicamentos de alto custo não inseridos em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação de Caráter Excepcional.

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